voltar || Home

CONCENTRAÇÃO E MEDITAÇÃO – PARTE 1

SWAMI BHAJANANDA

 

Swami Bhajananda foi o editor do PRABUDDHA BHARATA de 1979 até 1986 e contribuiu com muitos artigos para vários jornais do movimento Vedanta. Swami Bhajananda é um Secretário Assistente Membro do Conselho Diretor da Ordem Ramakrishna. Este artigo foi publicado em julho de 1980 no PRABUDDHA BHARATA.

 

Em nossos dias a “meditação” está desfrutando de uma popularidade sem precedentes tanto no Ocidente quanto no Oriente. Uma forma de prática espiritual antes restrita a um pequeno número de aspirantes espirituais razoavelmente qualificados está agora sendo seguida por um grande número de pessoas e aplicada a uma ampla variedade de situações humanas.  Para satisfazer as necessidades espirituais de diferentes tipos de aspirantes, antigas técnicas de meditação estão sendo modificadas e novas técnicas de meditação estão sendo elaboradas por mentores espirituais. De fato, a meditação se tornou tão multiforme que agora simboliza um termo genérico denotando, acima de tudo, várias formas de concentração e não uma técnica espiritual específica.

 

Os vários tipos de meditação agora correntes em todo o mundo podem ser classificados em dois amplos grupos: secular e religioso. Ao primeiro grupo pertencem todas as formas de concentração praticadas em benefício da saúde. Está provado cientificamente que certos tipos de meditação relaxam o corpo, reduzem a pressão arterial, a tensão mental e curam desordens psicosomáticas. Essas técnicas são, portanto, uma dádiva para um grande número de pessoas vivendo em condições de stress, especialmente no Ocidente. Não há nada de errado na prática da meditação para efeitos terapêuticos mas não se deveria pensar que o objetivo dela é apenas esse, que a meditação serve apenas para isso.

 

Aqui estamos voltados apenas para o outro grupo de meditações, denominadas upasana na literatura Vedanta e que objetivam a iluminação espiritual. Aqui novamente encontramos dois tipos: antropomórfica ( sakara ) e não antropomórfica ( nirakara ). No primeiro tipo, seguida no caminho da devoção, a meditação é realizada a uma forma de deidade conhecida como o Ideal de Deus escolhido pelo aspirante, ou Ista Devata. No segundo tipo, seguida no caminho do conhecimento, a meditação é realizada tendo como motivo um objeto não antropomórfico como a luz ou o espaço ou algum atributo qualificado ( saguna ) de Brahman.

 

Esta espécie de meditação espiritual que requer um grau mais alto na qualidade de concentração, não necessita necessariamente ser uma experiência relaxante, especialmente para o principiante. O termo utilizado por Patanjali – o pai da psicologia hindu – para meditação é dhyana, e de acordo com ele se constitui somente o sétimo passo em um graduado esquema de yoga. Com exceção de algumas poucas e afortunadas pessoas nascidas com uma calma e pureza da mente natural, a maior parte das pessoas acha que os mais elevados tipos de meditação espiritual impõe esforço, luta e tensão. Sri Aurobindo destaca que: “A estrada da yoga é longa, cada polegada deve ser conquistada contra muita resistência e nenhuma qualidade é mais necessária ao aspirante espiritual que a paciência e sincera perseverança sustentadas por uma fé que permanece firme através de todas as dificuldades, demoras e aparentes fracassos.” ( Bases de Yoga, 1973 )

 

Existe no momento um bom tanto de confusão sobre a verdadeira natureza da meditação. A origem está na crença errônea de que a meditação nada mais é que uma forma de concentração. Cada um tem a capacidade de concentrar a sua mente sobre alguma coisa e é confiando nisso que a maior parte das pessoas procura meditar. Mas quando eles acham não ser bem sucedidos, surpresos perguntam, “Por que não sou capaz de meditar?” A verdade é que a meditação não é uma forma comum de concentração. Os aspirantes espirituais devem compreender isso. Eles deveriam conhecer a diferença entre concentração e meditação.

 

Simples Concentração e Meditação

 

Em uma simples concentração a mente é focalizada sobre um objeto ou idéia mental externa. Desde a infância temos praticado concentração sobre objetos externos como uma parte natural do processo de percepção.

 

O que é percepção? De acordo com as escolas de Filosofia Samkhya, Yoga e Advaita-Vedanta, a mente se dirige para fora através dos olhos e toma a forma do objeto e esta é a forma como o vemos. De acordo com Ramanuja e Madhva, é o ser que se projeta e diretamente percebe o objeto. Em qualquer caso, a concentração sobre objetos externos é um processo natural.  O Katha Upanishad diz que o Senhor, por assim dizer, impressionou os órgãos sensórios fazendo-os voltarem-se para fora. Assim não encontramos dificuldade em nos concentrar em objetos externos.

 

A verdadeira meditação é um processo completamente diferente desse processo de percepção. A meditação significa voltar a mente ou o ser em direção a sua fonte. Sri Rmakrishna explica isso através a parábola do policial sargento que faz as suas rondas no escuro com uma lanterna ( que tem vidros escuros em três lados ) em suas mãos. Com esta luz ele pode ver os outros mas eles não podem vê-lo, a menos que volte a lanterna para ele mesmo. ( Evangelho de Ramakrishna, pg. 107 ).

 

Da mesma forma, com a luz do ser podemos ver os objetos externos e movimentos dos pensamentos, mas se quisermos ver Deus, devemos voltar o foco da luz para dentro. E é isto que a meditação significa. Voltar a mente habitualmente voltada para fora, para dentro, na direção de sua fonte e isso, devemos admitir, é uma tarefa difícil.

 

Esta é, então, a primeira diferença entre a meditação e a concentração comum: a meditação é o resultado de focar a consciência sobre a sua verdadeira fonte, sobre o seu verdadeiro centro. Os Tantras falam de diferentes centros de consciência mas os Upanishads apontam para o coração espiritual com o verdadeiro centro de nossa consciência. Embora o principiante possa em certa proporção manter a sua mente voltada para o coração físico, ele usualmente não tem idéia sobre o que o coração espiritual - o verdadeiro centro de consciência – realmente significa.

 

Na maior parte das pessoas, esse centro mais elevado permanece adormecido ou coberto por um véu, mas através do controle, da disciplina e oração ele pode ser desenvolvido. A menos que o aspirante descubra esse centro espiritual, a sua mente vai divagar durante a meditação.

 

Deve ser compreendido que tentar dirigir a mente para dentro, da mesma forma como o pastor dirige os carneiros para o cercado, não é meditação. A verdadeira meditação é o resultado da natural interiorização ( pratyak pravanata ) da mente decorrente de uma atração pelo aspecto interior do ser. Essa atração provem do centro mais elevado de consciência de cada um. E esse centro elevado somente exercerá essa atração quando se encontra aberto e ativo.  Então a mente vai descansar em sua própria fonte, do mesmo modo que um pássaro vai descansar em seu próprio ninho. Esse descanso ou fixação da mente é chamado de dharana, sem o que a meditação é difícil.

 

Em segundo lugar, em muitas formas de concentração comum os órgãos dos sentidos estão ativos e o contato com o mundo externo não é cortado. Mas durante a meditação, que necessita um grau mais elevado de concentração, somente a mente está ativa e o contato com o mundo externo é cortado. Os iogues chamam esse estado ekendrya o estado em que só um Indriya ou órgão dos sentidos ( a saber manas, ou mente, que os iogues consideram como sexto sentido ) está ativo. De acordo com Patanjali, antes de alguém procurar dhyana (meditação), deveria se tornar proficiente em dharana (a capacidade fixar a mente) e pratyahara (a capacidade de retirar a mente dos objetos externos). Esse retraimento é definido por Patanjali como um estado em que os sentidos desapegados dos objetos externos, se tornam unos com os manas ou a mente ( Yoga Sutra 2.54 ). Quando isso é praticado por um longo tempo somente a mente permanece ativa – estado esse chamado de ekendriya. Somente então a meditação genuína é possível.

 

Chegamos agora à terceira diferença entre a usual concentração e meditação. O que denominamos pensamento é um movimento como uma onda da mente que é chamada vritti. Vrittissão produzidos ou por estímulos externos ou pelo brotar dos samskaras (impressões latentes de experiências passadas). Quando estamos absorvidos na leitura de um livro ou em um trabalho, vários nomes e formas ocupam o campo da consciência e a mente se move em um círculo. Enquanto que em meditação a mente está, por assim dizer, fixa em um ponto, no qual está presente um único vritti. Então somente um nome ( mantra ) e forma (usualmente a forma do ideal espiritual escolhido) vão ocupar o campo de consciência. Todos os outros nomes e formas são conscientemente suprimidos. Isso entretanto é difícil porquanto os samskaras estão continuamente brotando em ondas. A menos que pelo menos os maiores desejos e impulsos sejam eliminados, a prática da meditação se torna uma batalha interior.

 

Isso nos leva à quarta diferença. A concentração usual é o resultado do apego a vários objetos externos, enquanto que a meditação é o resultado do desapego. Deixar-se absorver por um compromisso de que se gosta por satisfazer nossos desejos é fácil. Mas ficar absorvido em algo por meio do desapego é difícil. Isso somente se torna possível quando o desapego é sustentado por intensa aspiração. A meditação não é um exercício de absorção passiva, um escape da realidade. É, sim, uma intensa busca da Verdade, no único lugar onde a Verdade deve ser procurada. É uma ávida procura por Deus nas desconhecidas profundezas do coração. Da mesma forma como um homem na escuridão anda às apalpadelas, estendendo suas mãos, assim procede o aspirante, em sua meditação, procurando Deus em seu interior estendendo sua faculdade intuitiva, o puro Buddhi. Embora a meditação seja usualmente praticada sobre uma imagem, os verdadeiros aspirantes sabem que a imagem sobre a qual meditam não é a verdadeira Realidade. A sua meditação é de fato uma procura por essa Realidade da qual a imagem é apenas um símbolo. A procura de uma intangível Realidade desconhecida, nas desconhecidas profundezas da alma é possível apenas diante da presença de uma intensa aspiração e fé.

 

Chegamos então à quinta diferença. A mente humana tem dois poderes: o de experimentar e o de criar. A maior parte de nosso pensar normal é um processo criativo – estamos sempre procurando criar alguma coisa: novos objetos, novos relacionamentos, novos significados, novas idéias, etc. Se não conseguimos criar alguma coisa real, criamos coisas irreais e procuramos viver em um mundo de sonhos. Todas as grandes conquistas da ciência, tecnologia e arte são o resultado dos estupendos esforços de pessoas na concentração criativa. Mas a criação desse tipo dá origem à diversidade e ao conflito.

 

A meditação é uma tentativa de fazer a mente parar de criar pelo processo da fonte da experiência. Embora a experiência também seja uma função  da mente, sua verdadeira fonte ( consciência ) está no Atman ou Ser. A meditação é uma tentativa de isolar o ser e descobrir o Não Criado ou o Absoluto, que é o que a humanidade está tentando buscar através atividade criativa. A meditação é um movimento em direção à unidade e paz.

 

Outra diferença, relacionada com o mencionado antes, é que a concentração usual é um movimento no tempo. A meditação é uma tentativa de permanecer no eterno, no intangível. Quanto mais pensamos tanto mais no movimentamos no tempo e somos apanhados no contínuo curso da vida.

 

Há dois tipos de tempo. Um é o tempo externo, determinado pelo movimento da terra com referência ao sol. O segundo é o tempo interno, determinado pelo movimento dos pensamentos. Em crianças muito pequenas esses dois tempos permanecem distintos; e quando crescem aprendem a correlacionar ambos. Mas esta correlação é perdida durante o sono e sonhos profundos, quando vivemos em um mundo inteiramente diferente de tempo. No  estado normal de vigília uma certa coordenação entre o tempo interior e o tempo exterior é mantida como uma espécie de referência. Esta referência varia de pessoa para pessoa. Para algumas pessoas o tempo voa e para outras custa a passar.

 

Para viver constantemente sob a tirania do tempo, para “correr com a lebre e caçar com o cão de caça” todo tempo causa grande tensão nervosa. As pessoas querem fugir da opressiva percepção do tempo. Assim elas tiram férias, tentam esquecer de si próprias, deixando-se absorver por livros ou filmes. Mas elas acham que isso não funciona tão bem, pois o tempo as persegue como um fantasma nos lugares para onde vão ou em quaisquer coisas que façam.

 

Entretanto, a mais importante diferença entre a concentração e a meditação é que a primeira é um processo inconsciente envolvendo auto-esquecimento, enquanto o último é um processo consciente e auto-dirigido. O que geralmente chamamos de atividade consciente é principalmente inconsciente ou automático. Freud descobriu o inconsciente e mostrou como ele causava desordens mentais. Jung mostrou que mesmo o pensamento e atividade saudável normal são principalmente controladas pelo inconsciente. Falamos, comemos, trabalhamos e andamos sem termos percepção simultânea de estarmos fazendo todas essas coisas. Como Jung destacou, existe um mundo de diferenças entre essas duas afirmações: “estou trabalhando” e “estou consciente de estar trabalhando”. Estamos raramente em contato com o nosso próprio ser, uma vez que há muito pouca auto-percepção em nossas atividades do dia-a-dia. Esta verdade foi descoberta na Índia uns três mil anos antes. Kapila, o fundador da escola Samkhya, mostrou que tudo no universo, inclusive a mente é inconsciente e que somente o Purusa ( ou o Atman, como os Vedantas o denominam ) é verdadeiramente consciente.

 

A mente está continuamente se fragmentando em ondas e por isso a reflexão sobre o ser é descontínua. Como resultado perdemos contato com o nosso próprio centro de consciência. A meditação pára todas as ondas exceto uma que faz a reflexão do ser uniforme, restaurando nosso contato com o verdadeiro centro de consciência. Isso é influenciado pelo exercício da força de vontade. Assim como o carroceiro controla os cavalos controlando as rédeas com firmeza, assim o aspirante controla a sua mente através do exercício da força de vontade. Isto é o que Buddha considera estar plenamente cônscio.

 

A meditação é um processo totalmente auto-dirigido. É uma batalha contra os automatismos mentais, é uma tentativa de impedir que as ondas mentais possam fazer submergir a rocha da auto percepção. Este ponto distingue a meditação da atitude de perder-se em pensamentos, da introversão e de sonhar acordado.

 

Na concentração comum a mente é governada pelo objeto. Se você está lendo um livro, é o livro que determina a sua concentração; se você está trabalhando, é o trabalho que controla a sua mente. Na meditação o objeto usualmente desempenha apenas uma parte passiva e o controle da mente é realizado pelo ser. A mente pode ser controlada, não pela mente mas por uma faculdade que lhe é superior. Esta faculdade superior é o buddhi ou dhi, que é tanto uma faculdade de intuição quanto de força de vontade. É um impulso que se origina no buddhi que controla as ondas mentais e dirige o fluxo de consciência em direção ao objeto durante a meditação. A menos que o buddhi seja em certa extensão desenvolvido e esteja ativo, a meditação é difícil.

 

Uma outra diferença, a oitava na sequência, é que a meditação não consiste apenas em olhar para um objeto mas sim em uma tentativa de entrar em uma relação viva com ele. Isto é especialmente verdadeiro no caminho de bhakti, quando o devoto vê a meditação somente como um meio de criar uma íntima, duradoura relação de amor com seu Ideal Escolhido. Uma das principais razões pelas quais muitas pessoas não tem êxito na meditação é que elas esquecem este importante ponto e o mantém como um ato passivo de olhar para uma figura ou uma flor.

 

Uma relação de amor somente pode ser estabelecida quando há um certo grau de natureza similar entre o sujeito e o objeto. A Vedanta sustenta que ser humano é potencialmente divino: isto é, que a sua natureza é uma parte do Ser Supremo. A vida espiritual é a descoberta desse eterno relacionamento. Para descobrir essa relação espiritual os aspirantes devem antes de tudo descobrir o seu verdadeiro ser, o verdadeiro centro divino dentro deles, único local onde eles podem sentir o toque do Supremo Espírito. É somente quando as ondas mentais são aquietadas que a luz do ser se revela. É por isso que a quietude da mente é tão importante.

 

Mas a meditação não é apenas silêncio interior, é a conversão deste silêncio em instrumento de união do ser individual com o Ser Supremo. É por isso que a meditação de um tipo ou outro é recomendada, prescrita, em todas as escrituras Hindus. A Bíblia também diz: “Entre em quietude e saiba que sou Deus.” ( Salmos 46:10 )

 

Por fim deve ser lembrado que a concentração comum e a meditação conduzem a diferentes resultados. A proficiência na meditação torna fácil fazer qualquer trabalho com concentração mas o contrário nem sempre é verdadeiro. Embora realizando um trabalho secular com concentração permita um bom treinamento para a mente – e isso é melhor do que fazer as coisas de forma preguiçosa ou desleixada – isso por si só não capacita o aspirante a realizar uma meditação profunda. Atividades normais, se não acompanhadas pela discriminação, desapego, devoção e um certo grau de consciência meditativa, somente nos afastarão cada vez mais do centro divino existente em nós. Tal concentração somente nos envolverá mais e mais no fluxo inconsciente da vida. A meditação, pelo contrário, nos leva diretamente à Realidade.

 

ORAÇÃO, DEVOÇÃO, MEDITAÇÃO

 

Da abordagem anterior fica claro que a verdadeira meditação não é tão fácil como popularmente se supõe. No caminho de bhakti a meditação se constitui apenas no terceiro estágio , devendo ser precedida pela oração e adoração. Aqueles que praticaram a oração e adoração por algum tempo vão achar que meditar é fácil e natural. Como a oração e adoração ajudam o aspirante na prática da meditação?

 

Em primeiro lugar, como já foi mostrado, meditação é a concentração da mente sobre um centro de consciência mais elevado e a menos que esse centro esteja de alguma forma desperto ou ativo, a meditação é difícil. A oração, quando realizada com intensidade, rapidamente desperta o centro do coração. Diz o Swami Vivekananda, “Pela oração os poderes mais sutis são facilmente despertados, e se realizada conscientemente, todos os desejos podem ser realizados.” (Obras completas de Swami Vivekananda).

 

A concentração não é o principal problema na vida espiritual. O que é realmente difícil é dar uma direção mais elevada para as energias concentradas. Um principiante não pode realizar isso somente pela meditação. A oração e adoração abrem os centros mais elevados e elevam a mente.

 

Em segundo lugar, a meditação sendo um processo consciente e auto-dirigido pode ser praticado com sucesso somente quando sustentado pelo poder da força de vontade. Consciência e vontade puras são os aspectos dinâmicos e estáticos de um ser mais elevado. Através a auto análise e introspecção é possível compreender a verdadeira natureza da vontade e seu funcionamento. Mas uma força de vontade inconstante pelas emoções e instintos, não pode ser controlada somente pela auto análise. Esta é a razão pela qual a meditação muitas vezes depende da disposição de ânimo do aspirante. Se quisermos nos tornar independentes de nossas inclinações, de nossos humores, devemos ser capazes de dirigir nossa força de vontade em direção a Deus sempre que quisermos. A oração e adoração gradualmente trazem a vontade sob controle.

 

Além disso constata-se que em muitos aspirantes a meditação influencia apenas uma pequena parte – a parte consciente – de sua personalidade. As outras partes da personalidade, especialmente a parte inconsciente da mente, que é um celeiro de energia psíquica, continuam com seus velhos hábitos. Essa espécie de meditação mostra carência de poder. Oração e adoração despertam o inconsciente, energizam cada parte da personalidade e as equipam todas para esforços no sentido do estado meditativo. É somente quando a meditação está carregada de poder que ela vai atuar como uma furadeira elétrica e perfurar o véu de maya.

 

Também temos visto que a meditação se torna plena de significado somente quando existe uma relação viva entre a alma e Deus. Algumas pessoas nascem com uma sensibilidade interior da alma pelo invisível, pela intangível Realidade e sentem um amor espontâneo por Deus. Para os outros o único caminho é cultivar a devoção através de longa prática de oração e adoração.

 

Oração e adoração também servem de auxílio de outro modo. Elas provêm sustentação à mente mesmo quando não se medita ou não se pode meditar. Acontece que em certos dias os aspirantes acham difícil meditar. Quando isso ocorre muitos deles pensam “em vez de perder tempo tentando meditar, vou fazer algum trabalho.” Mas o verdadeiro devoto não pensa desse modo: ele simplesmente dirige sua atenção para intensa oração e adoração. Verdadeiros devotos não são desencorajados pela secura da mente ou outros obstáculos; no caso deles a meditação é apenas uma extensão, uma mais sutil expressão de oração ou adoração. Há, naturalmente, outros auxílios para a meditação, mas aqui estamos apenas preocupados principalmente com o caminho da devoção onde a oração e adoração desempenham um importante papel.

 

MEDITAÇÃO NOS ESTÁGIOS INICIAIS

 

Se a meditação é tão difícil, quer isso dizer que só deveríamos tentar realizá-la depois de atingir a proficiência na oração e adoração? De fato, se o aspirante pudesse dedicar alguns poucos meses ou mesmo anos exclusivamente à oração e adoração, ele avançaria rapidamente e passaria a achar a meditação fácil e espontânea. Mas nos dias de hoje poucas pessoas tem fé e paciência para esperar todo esse longo tempo. Também não é necessário para o principiante abandonar a meditação. A prática da meditação em paralelo com a oração e adoração pode ser conduzida mesmo no início da vida espiritual. Pois a meditação, mesmo não realizada com perfeição, auxilia o aspirante de muitos modos.

 

A meditação auxilia o aspirante a entender o funcionamento de sua própria mente. A meditação nos primeiros estágios pode se constituir em uma batalha interior mas o tempo aplicado nesse esforço não é perdido. Através dela o aspirante ganha o entendimento a respeito de seus desejos e tendências sutis. A meditação desse tipo “atua como uma espécie de comando em um barco”, ressalta a Santa Mãe. “Quando a pessoa senta no entardecer para oração, ela pode refletir sobre as boas e más coisas que praticou durante o decorrer do dia. Deveria então comparar o estado mental desse dia com o do dia anterior...A menos que você pratique a meditação pela manhã e à noite, lado a lado com o seu trabalho, como você vai saber se você está fazendo as coisas desejáveis ou indesejáveis?” (Swami Tapasyananda e Swami Nikhilananda, Sri Sarada Devi : a Santa Mãe, p. 408)            

 

A prática da meditação nos estágios iniciais é importante por uma segunda razão: ela dá à mente um bom treinamento sobre a natureza interna (pratyak pravanatha) e insere um senso de intimidade, de interioridade, na vida do aspirante. Essas influências podem não ser notadas imediatamente mas depois de alguns meses ou anos o aspirante percebe que a mente está se voltando para o interior sem muita dificuldade. Mesmo quando a mente divaga, o sentar imóvel em uma posição particular por si só disciplina o corpo e o sistema nervoso. Mais tarde, quando o aspirante se torna um adepto da meditação, ele vai verificar que esse treinamento inicial foi uma grande vantagem.

 

Além disso, a prática da meditação auxilia o aspirante a integrar a sua personalidade. Ela gera um foco interior para a vontade, para o intelecto e para as emoções. Mesmo quando o aspirante não consegue realizar uma meditação perfeita, a presença do foco central em seu interior lhe dá uma sensação de unidade e integridade à toda a sua personalidade. E isso ajuda o aspirante a manter-se não influenciado pelas mudanças e problemas do mundo externo.

 

Estas são as vantagens da prática nos estágios iniciais da vida espiritual. Entretanto, quando o aspirante ganha proficiência na meditação ela se torna um meio direto para a experiência espiritual.

 

A verdadeira meditação é um bater na porta do santuário existente no interior do coração. Esta meditação mais elevada, praticada intensa e persistentemente, irá por fim abrir a última porta para o mundo da divina luz, conhecimento e bem-aventurança.

 

Na próxima parte iremos abordar esta meditação mais elevada – suas técnicas e os vários processos mentais nela envolvidos.

 

       

FONTE: SITE WWW.VEDANTA.ORG/LIT/ARTICLES

 

Arquivos gerais de hinduismo
leitura recomendada